Não estamos prontos para a tecnologia

Jonelle Summerfield

Nós estamos nos enganando quase sempre em que acessamos a Internet, porque é imensa a ilusão de que somos especiais aqui. Isso faz com que acreditemos que nossa opinião e nossa vida precisam ser postas à mostra de todos. A primitiva necessidade do ser humano de ser ouvido e compreendido tornou-se perigosa, pois, neste cenário, oprimimos e humilhamos aqueles que não concordam conosco ou que não conseguem nos entender ou, ainda, aqueles que não passam por nossa “aprovação”, isto é, por nosso tribunal de falsa moralidade. A busca por um sentido de vida através das telas tecnológicas nos trouxe disforia, porque aqui o tempo voa, tudo acontece em segundos e a montanha-russa de emoções nos leva a um profundo estado de abstinência, ansiedade e medo.

A vida real é lenta. Os relacionamentos precisam de anos de dedicação para que possam dar certo, além de muita dedicação mútua que requer paciência, tolerância e cuidado. As amizades precisam de anos de convivência para que cultivem confiança, precisam de muita verdade mútua compartilhada em momentos de grande valor. Um trabalho requer horas e mais horas para ser feito e mais incontáveis horas para ser aprendido e, por fim, para que seja aprimorado, é preciso anos. Um conhecimento valioso nunca vai caber em cinco minutos de vídeo, muito menos em quinze segundos. Um conhecimento valioso só será retido por seu cérebro se você estiver em contato constante com esse conhecimento, caso contrário ele descansará no leito da memória de curto prazo que se apaga depois de algum tempo. Na vida real você não apaga o que acabou de dizer como se fosse uma mensagem que te trouxe arrependimento, na vida real você tem que aprender a saber o que dizer e como dizer, além de enfrentar a frustração de cometer um erro e não poder facilmente apagá-lo.

A obviedade do que eu escrevo não exclui o fato de que é um assunto que precisa constantemente ser relembrado e mencionado a todos àqueles que existem no mundo humano; isso porque, como você pode perceber, a realidade virtual está destruindo a pouca empatia humana, pois a faz ser seletiva, isto é, ou nos comovemos demais com os outros a ponto de doarmos tempo, dinheiro e holofotes a eles, ou as odiamos a ponto de acabar com a vida dessas pessoas, cancelando-as em tudo o que comporta a existência delas. Mas a empatia, em sua forma original, é um sentimento que um indivíduo cultiva por todas as pessoas, inclusive aquelas que erram feio ou que fazem coisas imperdoáveis. Isso porque a empatia não é o mesmo que dó ou compaixão; ser empático é ser capaz de compreender e respeitar as glórias e as inglórias dos outros. Ser empático é doar tempo para ouvir e é estar aberto para aquilo que há de ser dito quando a oportunidade se faz presente. Essa conturbada falta de empatia acontece justamente pela negligência que temos com nós mesmos.

A tecnologia, contudo, não é a culpada da negligência humana; aceitar que o erro está em nossa inabilidade em lidar com as nossas dificuldades e emoções, além das nossas profundas erronias no que diz respeito ao âmbito social intersubjetivo, é uma atitude adulta e coerente, pois que, sim, nós somos os culpados. Escolhemos o ecrã brilhante nas horas em que deveríamos escolher tão somente um rosto amigo. E ainda que, para nós, seja apenas “uma olhadinha” nas notificações, é nessa “olhadinha” que as coisas se perdem, pois, se você reparar com atenção, ela acontece frequentemente. É assim que depositamos na Internet, através de uma tecnologia cada vez mais singular e perfeita, toda a nossa incapacidade de lidar com nosso próprio Ser, em contra partida transformamos nossa incapacidade, via esta mesma ferramenta, em um monstro incontrolável, cego, julgador e manipulador. Esta realidade se transforma à essa maneira por um motivo assustador: a distância que existe entre nós — tanto do “eu” consigo mesmo, quanto do “eu” com os outros — quando nos conectamos, por meio de uma interface amigável, nesta imensurável rede de códigos.

Há os que defendem o mundo virtual pelo fato de “aproximar” pessoas; eu mesma conheci meu companheiro em uma rede social, estamos juntos desde dois mil e quinze. No entanto aqui descansa a indagação que deve servir como um alerta: Será que a distância não é precisa para que saibamos aproveitar a presença de modo vívido e inesquecível? O equilíbrio entre a distância e a presença não seria, pois, a razão pela qual aprendemos a viver superando a nós mesmos? E este equilíbrio não seria também preciso para a nossa solitude? Nas redes estamos sempre acompanhados por estímulos que se comunicam impedindo o silêncio nadificante que precisamos para nos conectar com a nossa solitude e, por isso, por vezes, somos tomados por uma angustiante soledade que aumenta drasticamente a nossa disforia. Agora, em uma simplória análise, posso afirmar com certeza que não estamos prontos para a tecnologia que estamos desenvolvendo. Deveríamos, antes dela, ter aprendido a compreender a nossa existência humana.

E, não, eu não sou contra a internet, tampouco contra a tecnologia, na verdade eu tenho grande paixão por ambas, mas, com o tempo eu estou percebendo que este lugar é só mais um lugar e que tudo o que reside aqui é apenas um por cento da minha vida e, desta porcentagem tão ínfima, somente um terço dela, senão menos, é real. Porque aqui usamos avatares na maior parte do tempo, trazendo à vista alheia um “eu” completamente deturpado. É preciso cautela, é preciso aprender a usar todo este poder que nós mesmos estamos nos presenteando com. Às vezes é preciso deixar que o sentimento de saudade perdure mais, antes que façamos uma videochamada com a pessoa que nos dá saudade. Deixar-se sentir aquilo que vem aos sentidos, ao coração e à alma e levar à sério este silêncio, esta ausência, este tempo que passa tão devagar.

Dias desses vi um amigo ouvindo uma mensagem de áudio que alguém o enviara, este áudio estava acelerado em 2x. Era quase impossível de compreender para mim, e aquela voz falando rápido me trouxe angústia e ansiedade de modo instantâneo. Fiquei perplexa com aquilo, com o fato de meu amigo ouvir todos os áudios daquela maneira. Fiquei ainda mais chocada com o fato de ter me afetado tanto com aquilo, foi uma sensação de sufoco como se alguém apertasse a minha garganta.

A vida não se passa na velocidade acelerada em duas vezes, e nessa loucura em otimizar o tempo, a nossa disforia só aumenta e usamos, pois, a internet e toda a tecnologia, para compensar cada uma das nossas frustrações descontroladas.

Sara Melissa de Azevedo

Diga-me, apreciaste esta obra? Conta-me nos comentários abaixo ou escreva-me, será fascinante poder saber mais detalhes da tua apreciação. Eu criei esta obra com profundo e inestimável amor, portanto, obrigada por valorizá-la com tua leitura atenta e inestimável. Meu nome é Sara Melissa de Azevedo. Sou Escritora, Poetisa e Sonurista. Formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial. Sou a Anfitriã dos projetos literários Castelo Drácula e Lasciven. Autora dos livros “Sete Abismos” e “Sonetos Múrmuros”. SAIBA MAIS

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